quinta-feira, 9 de abril de 2009

Colagens

Num desses dias ouvi de alguém que as qualificações morais que atribuímos a vida são somente isso mesmo: um valor que nós depositamos sobre algo, o que seria muito diferente do que as coisas realmente são. Aliás, meu interlocutor foi ainda além, ele disse que não sabemos na verdade como as coisas são, que vivemos aturdidos por esses conceitos que vamos distribuindo sobre tudo e todos, num gesto algo messiânico como aqueles imperadores da antiguidade que, com uma impostação de dedos, um meneio de cabeça, vaticinavam o destino do que se apresentava. A diferença é que nossas deliberações não seriam capitais, mas uma tentativa de acomodar sobre a realidade nossa estreita percepção da vida.

Tenho bons amigos que já aprendi a não retrucar, especialmente quando não concordo muito com o que ouço. Essa foi uma daquelas oportunidades em que ouvi calado porque não tinha certeza de ter entendido muito bem o que isso tudo poderia significar. Então numa de minhas caminhadas matinais (são sempre inspiradoras) lembrei do Firmin. Firmin é um rato, personagem do livro que leva seu nome ( Firmin, de Sam Savage - Ed. Planeta - 244 pg.) e que, nascido no porão de uma livraria, devorava seus livros. Primeiro literalmente, depois metaforicamente. Assim passou a observar o mundo com um olhar misto de homem e rato, mas sem conhecer muito dos valores morais dos homens. No mínimo pode-se dizer que Firmin consegue relativizar muito nossa percepção automática das coisas. As observações que faz dos lugares que habita, das pessoas que encontra, das situações que vive são essencialmente contemplativas, quase sem julgamento.

Como por exemplo quando relata o cinema pornô aonde vai para procurar comida. A simples descrição “pornô” já remete a qualquer um de nós um rosário de conceitos, mas para Firmin: “ Embora o Rialto oferecesse bastante coisa, o público era escasso e tornava-se fácil, para mim, caminhar entre as poltronas vazias e, com minha refinada capacidade de discernimento, colher restos de bala e pipoca e até mesmo, às vezes, um pedaço de cachorro quente ou presunto defumado (os notívagos geralmente traziam lanche para comer ali), enquanto o facho de luz funcionava como uma lanterna em minha busca.”

Dificilmente alguém de nós faria tal descrição desse tipo de cinema, somos aculturados demais para procurar uma segunda resposta. A primeira que encontramos é imediatamente colada ao que vemos e dali geralmente não se desprende senão mediante uma irremediável frustração dessa visão de mundo.

Ah, você deve estar pensando que, enfim, essa foi a visão de um rato! Qual o sentido de expandir a nossa percepção àquela que supostamente teria um rato? Essa pergunta já trás engajados alguns valores, como por exemplo: de nada vale a visão que um rato teria das coisas. Proponho seguirmos adiante então.

Há um outro trecho em que Firmin é levado a um parque pelo dono da casa que ele habita e então faz a descrição do que vê: “ Somente uma vez eu havia visto o mundo humano à luz do dia, em pleno sol, os edifícios altos e as árvores frondosas e as flores de variadas cores e as pessoas caminhando, e daquela vez chegara quase a congelar de tanto medo. Agora, viajando no carrinho de Jerry, não sentia medo algum e podia olhar as pessoas de frente e as árvores e sentir aquilo que eu acho que é o que eles chamam de alegria. Imaginei “um mundo maravilhoso” e deixei-o flutuar no céu azul, balançando ao vento, como uma faixa. Claro que havia também um gostinho amargo de bílis na boca- afinal, aquele não era meu mundo-, mas logo o engoli. As pessoas olhavam para nós, principalmente para mim, e eu retribuia com meus olhos negros, sem pestanejar.”

Não sei quanto à você, mas para mim, ao ler esse trecho tenho muito mais facilidade de reconhecer a visão que Firmin teve daquele momento em comparação à descrição que fez do cinema. Paira no ar uma sensação de plenitude e simbolicamente é algo fácil de assimilar e de se apropriar. No entanto é uma descrição tão autêntica quanto a anterior, relata com a mesma originalidade a vida que se apresenta e, arrisco-me a dizer, descreve coisas singelas da vida que nem sempre conseguimos ver, aturdidos que estamos.

Obrigado meus amigos, pelas provocações que me fazem e por não serem um eco das minhas frequentes visões obtusas do mundo.

Girando, girando

Ainda tentando compensar o atraso, embora eu saiba que tempo ido não se compensa, publico uma poesia de minha amiga Joana. A Joana é uma daquelas pessoas com o rosto iluminado, de sorriso generoso. Assim é sua poesia.

Quando se vive intensamente, o passo para o exagero é muito curto.

Quando estou girando, não é diferente...
Voo até os pés quererem fugir, aí... bato!
Percebo que fui além e retorno, sem constrangimento, e, continuo me entregando, porém, com os pés no chão.

Aspiro que seja assim na vida: que as batidas nas mãos alheias não inibam a minha alma, mas apenas sinalizem que eu preciso suavizar o passo. Sem mágoas, medos e ressentimentos.

Quero viver livremente, sem julgamentos e barreiras!

Quero também, amar livremente...
E, quando perder os pés do chão, aprender a apenas suavizar, sem deixar de me entregar,
Continuar fluindo...

Eu amo girar, porque aceito a mim mesma, porque entrego a minha alma, encontro o meu coração... e me liberto.


Leia mais da Joana aqui.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Voltando...devagarinho


Estive sem escrever por um bom tempo. Fruto dos ajustes em minha nova rotina, nova cidade.
Esta postagem é, ainda que bem tardia, uma despedida de Ivoti, onde morei por bastante tempo e realizei coisas importantes na minha vida. A antiga foto que abria o blog e que vai nesta postagem é a vista que tinha à noite da minha sacada.
Nova vida, nova cidade, outros desafios, outras imagens. A foto que agora abre o blog é do Parque da Redenção, um dos pontos que mais aprecio na cidade.