E esse foi, tem sido e talvez seja para sempre um grande dilema para a capa do meu diário, para a capa da história da minha vida, talvez para a vida em si. Sobre o que, afinal, é a vida?
É sobre o que abandonamos? Aqueles ranços, aqueles pedaços de lugares, de expectativas, de performances e de histórias vencidas? Oops, cuidado aí. Não vai querer ficar repisando o passado, não é? Pois passou, se foi, caputs, morreu. Ah, mas sobre ele construí aquilo que sou hoje. Mais, sobre esse passado as pessoas me construíram! Isso tem alguma importância, não tem? (Não, leitor. Não estou perguntando a você, estou fazendo um papo de louco, perguntando a mim mesmo. Ah, você quer carona? Tudo bem, mas saiba que às vezes exagero nas curvas.) Voltando. Sim, tem alguma importância. Para pisar em cima e só. Afinal, se o passado não for degrau será bagagem, mala. Atrasa a viagem. Dá calo nas mão, não cabe nos compartimentos que temos para levar a vida. E, pior, muitas vezes nem é bagagem nossa, é da linhagem familiar, da professora, da catequista e por aí vai. O que vai escrito entre as capas do meu diário me ensinou, numa das tantas re-leituras, que tem gente que junta bagagem para que os outros a levem adiante e, ainda por cima, os consegue fazer acreditar piamente que é muito bom carregá-la, numa fila de camelos lotados atravessando o deserto em que a alma se transforma nesses casos.
Ok, isso já me deixa mais ou menos satisfeito com o passado. E então, vamos ver para onde iremos daqui pra frente? Legal, vamos lá! Me diga você aí! Para onde é? Como será? Crocante? Perfumado? O próprio édem? Tenebroso? Uma pasmaceira? Uéé, também não sabe? Tampouco, no meu diário, sabem as páginas amareladas e sujas de grafiti por uma caligrafia feia, muito embora a pergunta tenha se repetido à exaustão. De tão cansado de perguntar a mesma coisa até já reclamei lá que só ficava perguntando as mesmas coisas. Não sei você, leitor, (tá por aí ainda?) mas o meu diário sempre que me acolhia produzia um efeito Monopol (não sabe o que é? - pergunte a sua mãe ou avó, ou vá ao super, acho que ainda existe) nas minhas elocubrações sobre os potenciais do futuro, as expectativas, os cenários, blá, blá, blá. Tudo muito patativa.
Nada, não é mesmo? E tudo isso então para voltar ao título? Sobre o que é tudo isso? Ta aí: nada. Pronto, se tava lendo até agora, acabou de desistir. Eu avisei que é um papo de louco. E quer saber, o papo é meu, tá bom. Não que saber? Tudo bem por mim. Eu tô mesmo numa de ficar olhando as montanhas,os oceanos, as fotos do planeta, e ouvido as férteis imaginações que dizem existir outros sitemas e galáxias que transformariam, comparativamente, a nossa num pozinho daqueles que tem na soleira da porta. E tudo isso independe das minhas fermentações sobre o futuro e passado e das exclamações e interrogações na capa do meu diário. Tô numas de ficar chorando porque não sei bem o que fazer da vida para depois me sentir feliz por poder ouvir Vivaldi com os rompantes das Quatro Estações. Também tô cansado de ficar imaginando um legado que vou deixar. Sim, sim, eu sempre ficava me pavoneando e imaginando hordas de pessoas lendo minhas coisas, admirando meus feitos, venerando minhas idéias. Menos, muito menos. De uns tempos pra cá me dei conta que tenho mesmo é que viver a alegria e miséria da vida. Se alguém no futuro quiser olhar para ela e achar isso importante, problema dele. Não me responsabilizo pelas misérias e alegrias que construir a partir das minhas.
Se tem alguém me seguindo ainda, agora deve tá pensando: Putz, esse cara tá iluminado! Tô nada. NADA, sacou. Por isso dói, é instável, é louco, é belo, é cansativo, é acolhedor, é singelo, às vezes até é tudo.
Se você leu até aqui e entendeu tudo, nunca mais volte. Se voltar vai ter de me explicar o que entendeu. Se entendeu nada, volte: talvez um dia tenha mais disso por aqui.
Pepe