terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Da série Pequenos contos de qualquer um - 1 - Flerte

Aquele olhar um pouco mais demorado dizia tudo, e também nada. Mas, puxa vida, isso estava acontecendo repetidas vezes, será que isso somado não queria dizer algo? Um interesse a mais, uma curiosidade. Sabe-se lá. Algo com potencial para evoluir à uma conversa mais intimista, numa daquelas trocas de idéias em que se descortinam tantas coisas em comum.

Eu diria algo como: Vi o último filme do Woody Allen ontem. – ao que eu ouviria – Não brinca, eu também! Gostei muito do filme! Sempre gosto dos filmes do Woody.

E, pronto, estaria engrenada a conversa para exibir um pouco de charme misturada com alguma inteligência displicente e uma ou outra pontinha de timidez, verdadeira, diga-se de passagem. Mas o olhar continuava indo, vindo, parando um pouco mais fundo no meu e... só. Também pudera, com tantos amigos reunidos na mesma mesa e todos conversando efusivamente, não havia clima para uma conversa mais reservada. A não ser essa conversa de olhares, indecorosamente transparente e escancarada para quem conhecesse seu alfabeto. Ou estaria eu simplesmente querendo crer nisso? Essa face nova, numa mesa já bem conhecida...tudo ascendendo para um flerte escondido da turma. Humm, sim. Essa dúvida mais a expectativa de flagrar um olhar um pouco mais descuidado, por entre todo aquele turbilhão de palavras e hálitos por sobre a mesa fazia, sim, parte do ritual.

Por alguns instantes peguei-me pensando que esse era o momento ideal, com todas as lacunas preenchidas pela imaginação. Ah, essa fértil e laboriosa imaginação! Tudo perfeito, tudo se encaixava no meu perfil. Bem, quase tudo. Na tangente percebia algum ou outro aspecto com um potencial para alguma controvérsia, mas - uau - mesmo isso se tornava extremamente estimulante. Afinal, sempre é esperada alguma surpresa quando se trata de pessoas. No fundo, imaginava eu, seria até muito bom não dar trânsito livre aos meus perfis ideais que começavam a ficar um tanto embolorados.

Transcorreu a noite, num misto de êxtase e dúvida. Lá pelas tantas, vieram as despedidas, a agenda da próxima rodada entre os amigos, a conta e ...a saída. Quando já começava a pensar que seria vítima de meus pensamentos e não passaria dessa experiência quase onírica senti uma mão tocando meu braço ao cruzar a porta para a noite fria e ouvi:

Essa fleuma é real ou tu te faz de difícil?

Um comentário:

Pedro disse...

muito bom, pepe! li de um fôlego, com prazer e o final me pegou de uma forma que eu gosto.
quem sabe eu vou me animando pra criar meu blog tb. um beijo. pedro