quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Legados

"Fotos são partes de si que a pessoa abandona."
Xa Utono - Índia Xavante

Lí essa frase na semana passada em algum jornal on line. Amante da fotografia que sou fiquei um tanto perturbado com frase, e somente depois de um longo tempo que consegui apreciar sua sabedoria.

Digo que sou um amante da fotografia, e como tal fico horas navegando em sites próprios de fotografias, procurando por belas imagens, tentando entender as técnicas usadas, admirando as composições, mas, sobretudo, tentando perceber o que motivou o fotógrafo a fazer aquele registro e, com isso, criar minha própria interpretação desse mundo. Nunca me ocorreu a possibilidade de entender que a fotos poderiam ser parte de um processo de apreensão do mundo. É claro que todas o são, mas aqui falo de uma apreensão que extrapola o simples registro. Refiro-me a uma apreensão que consome o que foi registrado, o que foi visto, o que foi entendido, que possibilite deglutir essa realidade e, de alguma forma, transcende-la numa espiral que acumula as vivências e as abandona, construindo sempre um novo caminho, um novo mundo.

Comecei a pensar nas várias imagens que fiz, nas minhas motivações, na tensão daqueles momentos e no sentimento que restava depois de algum tempo. Há aquelas que permanecem intrigantes e que necessito revisitar periodicamente, como se não as compreendesse por inteiro. Por outro lado, há aquelas que não mais me despertam o mesmo interesse inicial, que parecem ter-se esvaído, ter-se consumido ao serem registradas. A frase de Xa Utono pela primeira vez me ajuda a entender, ou pelo menos, me deixa pistas para compreender esses sentimentos.

Calhou então de cair em minhas mãos um livro de fotografias do Marcos Kim, um talentoso criador de imagens, em que ele cita um autor cujo nome não lembra, mas que diz: "Fotografamos o que vemos. E o que vemos é o que somos". Essa foi outra sentença que me fez pensar, e, ao juntá-la com a de Xa Utono, fiquei com a impressão que melhor seria dizer que o que vemos é o que fomos. A menos que fiquemos presos ao passado, ao tempo vivido, mas essas já são digressões minhas.

Desde que iniciei minhas incursões no mundo da fotografia comecei a apurar meu senso de percepção e me dei conta de que dificilmente poderei transmitir o que entendi do mundo àqueles que virem minhas fotos. Meu alfabeto pessoal será interpretado e influenciado pelas vivências dos outros. Interação plena não haverá. Se me sentia incomodado com isso, agora já consigo transigir. Começo a me satisfazer em compreender minhas próprias motivações, meu próprio ser que ali está, ou esteve. Junto a essa compreensão veio uma outra. A de que todo legado do homem tem essa precisa função. A de apenas involuntariamente acender a chama alheia que inspira a vida, talvez lhe propiciando novas abordagens pessoais sobre o mundo.

O senso de liberdade pessoal que essa conclusão pessoal me trouxe é tão precioso que nem tentarei expressa-lo. Simplesmente sei que o que eu fizer poderá ser importante ou não a alguém, mas que, se não for, já é para mim. E isto basta.

Pepe

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