quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Despedidas

Não é a primeira vez que me sinto assim. Aquele que por muito tempo foi o lugar em que morei agora está vazio, ou quase, restam poucas coisas. A sala por exemplo já tem somente o carpete no chão, um aparelho de som num canto, uma janela aberta e o vento entrando generoso. Estou sentado numa cadeira plástica de jardim e o computador no qual escrevo está sobre uma almofada no meu colo. No quarto, resta somente o colchão no chão, um abajur e, claro, alguns livros iniciados no chão. A salinha de trabalho é a mais entulhada, alí estão minhas roupas, livros e as pequenas coisas que me acompanharão daqui para frente.

Não obstante o vazio do apartamento, sinto-o preenchido. Agora, novamente, eu estou aqui e já consigo desfrutar do conforto da solidão. Já passei por vários tipos de solidão. Não vou falar daqueles tipos miseráveis, esses todos conhecem. O que desfruto hoje é um sentimento de suficiência. Estar só é o suficiente, permite-me estar comigo mesmo, dispensa todas as coisas, objetos, muletas, fugas, ou qualquer que seja o nome que se queira dar. Essa solidão não oprime e não deprime. Essa solidão permite escolhas, permite a consciência. Ela paira no ar, quase tangível. E é voluntária.

Não deixa de ser estranho que sinta isso somente agora que me desfiz de quase tudo que tinha, e que esteja num lugar ao qual em breve não tornarei. É como se esse espaço vazio fosse condição para permitir sentir o bastante em mim. Começo a achar, contudo, que o espaço vazio que é imprescindível é o interior. Me parece que é ali que se acomoda a vida, com todas as suas nuances, é ali que se abriga tudo aquilo que a vida trás, tanto o que compreendo e aceito quanto aquilo com que luto. É nesse vazio que a vida realmente acontece.

Das outras vezes que senti algo parecido foi com maior brevidade. Não estou certo se tinha a mesma consciência dos movimentos, se tinha o mesmo desapego e se consegui desfrutar tanto assim da liberdade. Daí que percebo que chegar ao essencial é absurdamente simples e, por isso mesmo, demorado. Não fui ensinado a lidar com a simplicidade, não sei se alguém é. As oportunidades já haviam me surgido antes. Não tive a coragem e reconhecê-las. Estava ancorado em antigas escolas, linhagens e escolhas, algumas minhas, outras, de outros.

Este é um momento em que nada tem de ser feito. O mais irônico é que sei que esse próprio sentimento é fugaz, esse equilíbrio também se evanescerá de alguma forma. Não sou um espírito assim tão elevado que consiga perpetuar a consciência que agora tenho. Tê-la alcançado é uma conquista, cultivá-la será uma jornada.

Um comentário:

Anônimo disse...

ainda vou ai ver esse ap vazio.
gostei desse texto, de alguma forma ele me emociona. não conscientemente, por isso não sei explicar.
beiju