Meu diário é um caderno. Daqueles bem baratos, feios e ordinários. Sua capa é uma cartolina mole com uma arte pobre dos anos 80, típica desses cadernos escolares. Num desses anos de desatino, loucura e desespero resolvi que precisava mudar a capa dele. Como estava, não servia mais para mim. Colei nela então várias imagens que havia recortado e achado na avalanche de papel, panfletos e revistas que era a minha vida nessa época. Bom, isso tudo é para dizer que num desses recortes havia uma frase que muitas vezes tomei como verdadeira, absoluta. Em outras tantas simplesmente inverti o sentido e achei igualmente verdade e, numa dessas insatisfações sobre o sentido da vida, lembro que acabei por rabiscar vários pontos de exclamação e interrogação sobre essa frase. Pois a frase é: "It's not about where you're going. It's about what you leave behind."
E esse foi, tem sido e talvez seja para sempre um grande dilema para a capa do meu diário, para a capa da história da minha vida, talvez para a vida em si. Sobre o que, afinal, é a vida?
É sobre o que abandonamos? Aqueles ranços, aqueles pedaços de lugares, de expectativas, de performances e de histórias vencidas? Oops, cuidado aí. Não vai querer ficar repisando o passado, não é? Pois passou, se foi, caputs, morreu. Ah, mas sobre ele construí aquilo que sou hoje. Mais, sobre esse passado as pessoas me construíram! Isso tem alguma importância, não tem? (Não, leitor. Não estou perguntando a você, estou fazendo um papo de louco, perguntando a mim mesmo. Ah, você quer carona? Tudo bem, mas saiba que às vezes exagero nas curvas.) Voltando. Sim, tem alguma importância. Para pisar em cima e só. Afinal, se o passado não for degrau será bagagem, mala. Atrasa a viagem. Dá calo nas mão, não cabe nos compartimentos que temos para levar a vida. E, pior, muitas vezes nem é bagagem nossa, é da linhagem familiar, da professora, da catequista e por aí vai. O que vai escrito entre as capas do meu diário me ensinou, numa das tantas re-leituras, que tem gente que junta bagagem para que os outros a levem adiante e, ainda por cima, os consegue fazer acreditar piamente que é muito bom carregá-la, numa fila de camelos lotados atravessando o deserto em que a alma se transforma nesses casos.
Ok, isso já me deixa mais ou menos satisfeito com o passado. E então, vamos ver para onde iremos daqui pra frente? Legal, vamos lá! Me diga você aí! Para onde é? Como será? Crocante? Perfumado? O próprio édem? Tenebroso? Uma pasmaceira? Uéé, também não sabe? Tampouco, no meu diário, sabem as páginas amareladas e sujas de grafiti por uma caligrafia feia, muito embora a pergunta tenha se repetido à exaustão. De tão cansado de perguntar a mesma coisa até já reclamei lá que só ficava perguntando as mesmas coisas. Não sei você, leitor, (tá por aí ainda?) mas o meu diário sempre que me acolhia produzia um efeito Monopol (não sabe o que é? - pergunte a sua mãe ou avó, ou vá ao super, acho que ainda existe) nas minhas elocubrações sobre os potenciais do futuro, as expectativas, os cenários, blá, blá, blá. Tudo muito patativa.
Nada, não é mesmo? E tudo isso então para voltar ao título? Sobre o que é tudo isso? Ta aí: nada. Pronto, se tava lendo até agora, acabou de desistir. Eu avisei que é um papo de louco. E quer saber, o papo é meu, tá bom. Não que saber? Tudo bem por mim. Eu tô mesmo numa de ficar olhando as montanhas,os oceanos, as fotos do planeta, e ouvido as férteis imaginações que dizem existir outros sitemas e galáxias que transformariam, comparativamente, a nossa num pozinho daqueles que tem na soleira da porta. E tudo isso independe das minhas fermentações sobre o futuro e passado e das exclamações e interrogações na capa do meu diário. Tô numas de ficar chorando porque não sei bem o que fazer da vida para depois me sentir feliz por poder ouvir Vivaldi com os rompantes das Quatro Estações. Também tô cansado de ficar imaginando um legado que vou deixar. Sim, sim, eu sempre ficava me pavoneando e imaginando hordas de pessoas lendo minhas coisas, admirando meus feitos, venerando minhas idéias. Menos, muito menos. De uns tempos pra cá me dei conta que tenho mesmo é que viver a alegria e miséria da vida. Se alguém no futuro quiser olhar para ela e achar isso importante, problema dele. Não me responsabilizo pelas misérias e alegrias que construir a partir das minhas.
Se tem alguém me seguindo ainda, agora deve tá pensando: Putz, esse cara tá iluminado! Tô nada. NADA, sacou. Por isso dói, é instável, é louco, é belo, é cansativo, é acolhedor, é singelo, às vezes até é tudo.
Se você leu até aqui e entendeu tudo, nunca mais volte. Se voltar vai ter de me explicar o que entendeu. Se entendeu nada, volte: talvez um dia tenha mais disso por aqui.
Pepe
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
terça-feira, 12 de agosto de 2008
Móbile do ser
Do pó acumulado
Por eras de civilidade
Assentou-se
Uma armada
Uma armadura
Da vida que restou
Do animal primitivo
Partiu o soluço
O magoado grito
Da dor arfante
Do sopro renascido
O menino chorou e riu
E tornou o homem
Conviva do ser
Pepe
Por eras de civilidade
Assentou-se
Uma armada
Uma armadura
Da vida que restou
Do animal primitivo
Partiu o soluço
O magoado grito
Da dor arfante
Do sopro renascido
O menino chorou e riu
E tornou o homem
Conviva do ser
Pepe
terça-feira, 11 de março de 2008
Mais Walt Whitman
"Acredito em ti, minha alma, o outro que eu sou não deve se degradar diante de ti,
E tu não deves te degradar diante do outro.
Vadia comigo sobre a relva, solta a trava de tua garganta,
Nem palavras, nem música ou rima eu quero, nem costumes ou sermões,
Nem que sejam os melhores,
Gosto apenas da calmaria, do murmúrio de tua voz valvulada."
Trecho de "Canção de mim mesmo", Walt Whitman.
domingo, 9 de março de 2008
Ando ouvido... e me inspirando!
Há músicas, filmes e eventos dos mais diversos que se passam repetidas vezes até que se esteja pronto para de fato percebe-los em toda sua magnitude.
People say I'm lazy dreaming my life away
Fiquem com a letra de:
Watching the wheels
John Lennon
People say I'm crazy doing what I'm doing
Well they give me all kinds of warnings to save me from ruin
When I say that I'm o.k. well they look at me kind of strange
Surely you're not happy now you no longer play the game
People say I'm lazy dreaming my life away
Well they give me all kinds of advice designed to enlighten me
When I tell them that I'm doing fine watching shadows on the wall
Don't you miss the big time boy you're no longer on the ball
I'm just sitting here watching the wheels go round and round
I really love to watch them roll
No longer riding on the merry-go-round
I just had to let it go
Ah, people asks me questions lost in confusion
Well I tell them there's no problem, only solutions
Well they shake their heads and they look at me as if I've lost my mind
I tell them there's no hurry
I'm just sitting here doing time
I'm just sitting here watching the wheels go round and round
I really love to watch them roll
No longer riding on the merry-go-round
I just had to let it go
I just had to let it go
I just had to let it go
Cliquem aqui para assistir no You Tube.
Que tenham boas inspirações!
Pepe
quarta-feira, 5 de março de 2008
Lembranças oportunas - Nuvem Passageira
Por umas dessas coisas inexplicáveis, independentes de nossas vontades e regramentos, lembrei-me desta música que ouvia na infância
Nuvem passageira- Hermes de Aquino
Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai
Não adianta escrever meu nome numa pedra
Pois esta pedra em pó vai se transformar
Você não vê que a vida corre contra o tempo
Sou um castelo de areia na beira do mar
A lua cheia convida para um longo beijo
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito
E a namorada analisada por sobre o divã
Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva
Não quero nem saber de me fazer, ou me matar
Eu vou deixar em dia a vida e a minha energia
Sou um castelo de areia na beira do mar
Veja o vídeo no YouTube.
Nuvem passageira- Hermes de Aquino
Eu sou nuvem passageira
Que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai
Não adianta escrever meu nome numa pedra
Pois esta pedra em pó vai se transformar
Você não vê que a vida corre contra o tempo
Sou um castelo de areia na beira do mar
A lua cheia convida para um longo beijo
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito
E a namorada analisada por sobre o divã
Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva
Não quero nem saber de me fazer, ou me matar
Eu vou deixar em dia a vida e a minha energia
Sou um castelo de areia na beira do mar
Veja o vídeo no YouTube.
sábado, 1 de março de 2008
Ando lendo...
Ando lendo A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera (Ed. Nova Fronteira-1985) e quero compartilhar este trecho que me pareceu ser valioso. Espero encontrar outros desse calibre até o final do livro.
"Num passado remoto, o homem deve ter ouvido com assombro o som de batidas regulares que vinham do fundo de seu peito, sem conseguir saber o que seria aquilo. Não podia identificar-se com um corpo, essa coisa tão estranha e desconhecida. O corpo era uma gaiola e dentro dela, dissimulada, estava qualquer coisa que olhava, escutava, tinha medo, pensava e espantava-se; essa coisa qualquer, essa coisa que subsistia, deduzido o corpo, era a alma.
Hoje, é claro, o corpo deixou de ser um mistério, sabemos que o que bate no peito é o coração, o nariz nada mais é que a extremidade de um cano que avança para poder levar oxigênio aos pulmões. O rosto nada mais é que o painel onde terminam todos os mecanismos físicos: a digestão, a visão, a audição, a respiração, a reflexão.
Depois que o homem aprendeu a dar nome a todas as partes de seu corpo, esse corpo inquieta menos. Atualmente, cada um de nós sabe que a alma nada mais é que a atividade da matéria cinzenta do cérebro. A dualidade da alma e do corpo estava dissimulada por termos científicos; hoje, isso é um preconceito fora de moda que só nos faz rir.
Mas basta amar loucamente e ouvir o ruído dos intestinos para que a unidade da alma e do corpo, ilusão lírica da era científica, imediatamente se desfaça."
Dá vontade de ler e reler, não é? Se você viu o filme, não deixe de ler o livro. Fácil de encontrar, inclusive em sebos.
Pepe
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Da série Cronicas de qualquer um - 2 - Perdido em bares
Havia meia hora que estava lá. Não sabia ao certo o que procurava, apenas havia decidido que iria lá para sair da rotina. No passado, quando freqüentava bares e liberdades adolescentes, o balcão sempre foi meu local predileto. Afinal as chances de engatar uma boa conversa eram sempre tentadoras. Como eram tentadoras todas as possibilidades que a acompanhavam.
Desta vez, contudo, não parecia estar funcionando. Seria porque meus objetivos não estavam claros e, por indeciso, era exatamente isso que estava encontrando?
Poderia ser também uma simples questão de me habituar novamente ao ambiente de um bar, a música, a luz, os olhares... Enfim, talvez fosse somente uma questão de curtir e esquecer os balõezinos que via pairando sobre a cabeça das pessoas com frases do tipo: "Puxa, ele está nitidamente desconfortável." ou então "Ihh, parece que veio ao lugar errado meu chapa".
Fui insistindo, o tempo foi passando e de repente percebi-me tamborilando no balcão a música do ambiente. Os pés também insistiam num ritmo próprio e quase independente de minha vontade seguiam o compasso da melodia. Foi então que vi, ou pelo menos pensei ter visto um balãozinho dizendo: “Humm, finalmente alguém novo por aqui”.
Já não me sentia mais assim tão fora do lugar. Talvez tudo fosse uma questão de imitar Júlio César – Veni, Vidi, Vici. Mas o que havia para vencer afinal? – Puxa, decididamente esses não eram pensamentos próprios para um bar, mas, ora bolas, já que haviam entrado sem bater, tinha de lidar com eles.
Pensei em muitas coisas e antes que começasse a enraizar cada uma delas resolvi simplesmente erguer um brinde ao espaço, que aí estava para ser ocupado, e aproveitei para virar de costas a uma miragem chamada inadequação.
Desta vez, contudo, não parecia estar funcionando. Seria porque meus objetivos não estavam claros e, por indeciso, era exatamente isso que estava encontrando?
Poderia ser também uma simples questão de me habituar novamente ao ambiente de um bar, a música, a luz, os olhares... Enfim, talvez fosse somente uma questão de curtir e esquecer os balõezinos que via pairando sobre a cabeça das pessoas com frases do tipo: "Puxa, ele está nitidamente desconfortável." ou então "Ihh, parece que veio ao lugar errado meu chapa".
Fui insistindo, o tempo foi passando e de repente percebi-me tamborilando no balcão a música do ambiente. Os pés também insistiam num ritmo próprio e quase independente de minha vontade seguiam o compasso da melodia. Foi então que vi, ou pelo menos pensei ter visto um balãozinho dizendo: “Humm, finalmente alguém novo por aqui”.
Já não me sentia mais assim tão fora do lugar. Talvez tudo fosse uma questão de imitar Júlio César – Veni, Vidi, Vici. Mas o que havia para vencer afinal? – Puxa, decididamente esses não eram pensamentos próprios para um bar, mas, ora bolas, já que haviam entrado sem bater, tinha de lidar com eles.
Pensei em muitas coisas e antes que começasse a enraizar cada uma delas resolvi simplesmente erguer um brinde ao espaço, que aí estava para ser ocupado, e aproveitei para virar de costas a uma miragem chamada inadequação.
Legados
"Fotos são partes de si que a pessoa abandona."
Xa Utono - Índia Xavante
Lí essa frase na semana passada em algum jornal on line. Amante da fotografia que sou fiquei um tanto perturbado com frase, e somente depois de um longo tempo que consegui apreciar sua sabedoria.
Digo que sou um amante da fotografia, e como tal fico horas navegando em sites próprios de fotografias, procurando por belas imagens, tentando entender as técnicas usadas, admirando as composições, mas, sobretudo, tentando perceber o que motivou o fotógrafo a fazer aquele registro e, com isso, criar minha própria interpretação desse mundo. Nunca me ocorreu a possibilidade de entender que a fotos poderiam ser parte de um processo de apreensão do mundo. É claro que todas o são, mas aqui falo de uma apreensão que extrapola o simples registro. Refiro-me a uma apreensão que consome o que foi registrado, o que foi visto, o que foi entendido, que possibilite deglutir essa realidade e, de alguma forma, transcende-la numa espiral que acumula as vivências e as abandona, construindo sempre um novo caminho, um novo mundo.
Comecei a pensar nas várias imagens que fiz, nas minhas motivações, na tensão daqueles momentos e no sentimento que restava depois de algum tempo. Há aquelas que permanecem intrigantes e que necessito revisitar periodicamente, como se não as compreendesse por inteiro. Por outro lado, há aquelas que não mais me despertam o mesmo interesse inicial, que parecem ter-se esvaído, ter-se consumido ao serem registradas. A frase de Xa Utono pela primeira vez me ajuda a entender, ou pelo menos, me deixa pistas para compreender esses sentimentos.
Calhou então de cair em minhas mãos um livro de fotografias do Marcos Kim, um talentoso criador de imagens, em que ele cita um autor cujo nome não lembra, mas que diz: "Fotografamos o que vemos. E o que vemos é o que somos". Essa foi outra sentença que me fez pensar, e, ao juntá-la com a de Xa Utono, fiquei com a impressão que melhor seria dizer que o que vemos é o que fomos. A menos que fiquemos presos ao passado, ao tempo vivido, mas essas já são digressões minhas.
Desde que iniciei minhas incursões no mundo da fotografia comecei a apurar meu senso de percepção e me dei conta de que dificilmente poderei transmitir o que entendi do mundo àqueles que virem minhas fotos. Meu alfabeto pessoal será interpretado e influenciado pelas vivências dos outros. Interação plena não haverá. Se me sentia incomodado com isso, agora já consigo transigir. Começo a me satisfazer em compreender minhas próprias motivações, meu próprio ser que ali está, ou esteve. Junto a essa compreensão veio uma outra. A de que todo legado do homem tem essa precisa função. A de apenas involuntariamente acender a chama alheia que inspira a vida, talvez lhe propiciando novas abordagens pessoais sobre o mundo.
O senso de liberdade pessoal que essa conclusão pessoal me trouxe é tão precioso que nem tentarei expressa-lo. Simplesmente sei que o que eu fizer poderá ser importante ou não a alguém, mas que, se não for, já é para mim. E isto basta.
Pepe
Xa Utono - Índia Xavante
Lí essa frase na semana passada em algum jornal on line. Amante da fotografia que sou fiquei um tanto perturbado com frase, e somente depois de um longo tempo que consegui apreciar sua sabedoria.
Digo que sou um amante da fotografia, e como tal fico horas navegando em sites próprios de fotografias, procurando por belas imagens, tentando entender as técnicas usadas, admirando as composições, mas, sobretudo, tentando perceber o que motivou o fotógrafo a fazer aquele registro e, com isso, criar minha própria interpretação desse mundo. Nunca me ocorreu a possibilidade de entender que a fotos poderiam ser parte de um processo de apreensão do mundo. É claro que todas o são, mas aqui falo de uma apreensão que extrapola o simples registro. Refiro-me a uma apreensão que consome o que foi registrado, o que foi visto, o que foi entendido, que possibilite deglutir essa realidade e, de alguma forma, transcende-la numa espiral que acumula as vivências e as abandona, construindo sempre um novo caminho, um novo mundo.
Comecei a pensar nas várias imagens que fiz, nas minhas motivações, na tensão daqueles momentos e no sentimento que restava depois de algum tempo. Há aquelas que permanecem intrigantes e que necessito revisitar periodicamente, como se não as compreendesse por inteiro. Por outro lado, há aquelas que não mais me despertam o mesmo interesse inicial, que parecem ter-se esvaído, ter-se consumido ao serem registradas. A frase de Xa Utono pela primeira vez me ajuda a entender, ou pelo menos, me deixa pistas para compreender esses sentimentos.
Calhou então de cair em minhas mãos um livro de fotografias do Marcos Kim, um talentoso criador de imagens, em que ele cita um autor cujo nome não lembra, mas que diz: "Fotografamos o que vemos. E o que vemos é o que somos". Essa foi outra sentença que me fez pensar, e, ao juntá-la com a de Xa Utono, fiquei com a impressão que melhor seria dizer que o que vemos é o que fomos. A menos que fiquemos presos ao passado, ao tempo vivido, mas essas já são digressões minhas.
Desde que iniciei minhas incursões no mundo da fotografia comecei a apurar meu senso de percepção e me dei conta de que dificilmente poderei transmitir o que entendi do mundo àqueles que virem minhas fotos. Meu alfabeto pessoal será interpretado e influenciado pelas vivências dos outros. Interação plena não haverá. Se me sentia incomodado com isso, agora já consigo transigir. Começo a me satisfazer em compreender minhas próprias motivações, meu próprio ser que ali está, ou esteve. Junto a essa compreensão veio uma outra. A de que todo legado do homem tem essa precisa função. A de apenas involuntariamente acender a chama alheia que inspira a vida, talvez lhe propiciando novas abordagens pessoais sobre o mundo.
O senso de liberdade pessoal que essa conclusão pessoal me trouxe é tão precioso que nem tentarei expressa-lo. Simplesmente sei que o que eu fizer poderá ser importante ou não a alguém, mas que, se não for, já é para mim. E isto basta.
Pepe
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Da série Pequenos contos de qualquer um - 1 - Flerte
Aquele olhar um pouco mais demorado dizia tudo, e também nada. Mas, puxa vida, isso estava acontecendo repetidas vezes, será que isso somado não queria dizer algo? Um interesse a mais, uma curiosidade. Sabe-se lá. Algo com potencial para evoluir à uma conversa mais intimista, numa daquelas trocas de idéias em que se descortinam tantas coisas em comum.
Eu diria algo como: Vi o último filme do Woody Allen ontem. – ao que eu ouviria – Não brinca, eu também! Gostei muito do filme! Sempre gosto dos filmes do Woody.
E, pronto, estaria engrenada a conversa para exibir um pouco de charme misturada com alguma inteligência displicente e uma ou outra pontinha de timidez, verdadeira, diga-se de passagem. Mas o olhar continuava indo, vindo, parando um pouco mais fundo no meu e... só. Também pudera, com tantos amigos reunidos na mesma mesa e todos conversando efusivamente, não havia clima para uma conversa mais reservada. A não ser essa conversa de olhares, indecorosamente transparente e escancarada para quem conhecesse seu alfabeto. Ou estaria eu simplesmente querendo crer nisso? Essa face nova, numa mesa já bem conhecida...tudo ascendendo para um flerte escondido da turma. Humm, sim. Essa dúvida mais a expectativa de flagrar um olhar um pouco mais descuidado, por entre todo aquele turbilhão de palavras e hálitos por sobre a mesa fazia, sim, parte do ritual.
Por alguns instantes peguei-me pensando que esse era o momento ideal, com todas as lacunas preenchidas pela imaginação. Ah, essa fértil e laboriosa imaginação! Tudo perfeito, tudo se encaixava no meu perfil. Bem, quase tudo. Na tangente percebia algum ou outro aspecto com um potencial para alguma controvérsia, mas - uau - mesmo isso se tornava extremamente estimulante. Afinal, sempre é esperada alguma surpresa quando se trata de pessoas. No fundo, imaginava eu, seria até muito bom não dar trânsito livre aos meus perfis ideais que começavam a ficar um tanto embolorados.
Transcorreu a noite, num misto de êxtase e dúvida. Lá pelas tantas, vieram as despedidas, a agenda da próxima rodada entre os amigos, a conta e ...a saída. Quando já começava a pensar que seria vítima de meus pensamentos e não passaria dessa experiência quase onírica senti uma mão tocando meu braço ao cruzar a porta para a noite fria e ouvi:
Essa fleuma é real ou tu te faz de difícil?
Eu diria algo como: Vi o último filme do Woody Allen ontem. – ao que eu ouviria – Não brinca, eu também! Gostei muito do filme! Sempre gosto dos filmes do Woody.
E, pronto, estaria engrenada a conversa para exibir um pouco de charme misturada com alguma inteligência displicente e uma ou outra pontinha de timidez, verdadeira, diga-se de passagem. Mas o olhar continuava indo, vindo, parando um pouco mais fundo no meu e... só. Também pudera, com tantos amigos reunidos na mesma mesa e todos conversando efusivamente, não havia clima para uma conversa mais reservada. A não ser essa conversa de olhares, indecorosamente transparente e escancarada para quem conhecesse seu alfabeto. Ou estaria eu simplesmente querendo crer nisso? Essa face nova, numa mesa já bem conhecida...tudo ascendendo para um flerte escondido da turma. Humm, sim. Essa dúvida mais a expectativa de flagrar um olhar um pouco mais descuidado, por entre todo aquele turbilhão de palavras e hálitos por sobre a mesa fazia, sim, parte do ritual.
Por alguns instantes peguei-me pensando que esse era o momento ideal, com todas as lacunas preenchidas pela imaginação. Ah, essa fértil e laboriosa imaginação! Tudo perfeito, tudo se encaixava no meu perfil. Bem, quase tudo. Na tangente percebia algum ou outro aspecto com um potencial para alguma controvérsia, mas - uau - mesmo isso se tornava extremamente estimulante. Afinal, sempre é esperada alguma surpresa quando se trata de pessoas. No fundo, imaginava eu, seria até muito bom não dar trânsito livre aos meus perfis ideais que começavam a ficar um tanto embolorados.
Transcorreu a noite, num misto de êxtase e dúvida. Lá pelas tantas, vieram as despedidas, a agenda da próxima rodada entre os amigos, a conta e ...a saída. Quando já começava a pensar que seria vítima de meus pensamentos e não passaria dessa experiência quase onírica senti uma mão tocando meu braço ao cruzar a porta para a noite fria e ouvi:
Essa fleuma é real ou tu te faz de difícil?
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Tudo Vida
"I have heard what the talkers were talking,
the talk of the beginning and the end,
But I do not talk of the beginning or the end.
There was never any more inception than there is now,
Nor any more youth or age than there is now,
And will never be any more perfection than there is now,
Nor any more heaven or hell than there is now."
Trecho de Song of myself, de Walt Whitman.
Escrever sempre foi uma espécie de bálsamo para mim, sempre tornou relativas as coisas que considerava tão derradeiras e assustadoras. Recentemente, neste feriado de Carnaval para ser mais preciso, dei-me conta de que todos temos esse mito do derradeiro ser dentro de nós. Mas isso já é outra estória, fica para outro dia. Meu ponto hoje é, se escrever sempre me fez tão bem, porque não escrever para que outros leiam? Muito bem, mesmo sendo uma pergunta retórica e que, mesmo assim tem uma resposta que conheço bem, resolvi começar. Então lá vai meu início.
Tudo Vida
Domingo a tarde
Chuva na janela
Tempo à espreita
Da mente vazia
Domingo a tarde
Agora, um arco-iris
E a mente à espera
De um tempo vivido
Domingo a tarde
O som das águas
Da chuva no asfalto
E da vida escorrida
Domingo a tarde
A chuva, os sons,
A mente, a espera,
Tudo velho,
Tudo novo.
Tudo vida
Pepe
Assinar:
Postagens (Atom)